Saturday, January 30, 2010

(curto) Passado

Mas quem se ousa criador deste jogo, o jogo mais macabro jamais criado? Somos quais animais que se devoram em sobrevicência, quais feras sedentas, vendemos por aí o pouco que nos resta que ainda nos distingue e venderíamos até a alma, ousaríamos vender-nos em troca de nada e viveríamos animalescamente (se não vivemos já?). Observamos astutamente o que nos rodeia e cheiramos, de olfacto apurado, em busca de vida. Todos querem mais vida, mais tempo...o que ainda não podemos comprar. (ouvi dizer que já se vende tempo). O mais deprimente é ver como nos tornamos predadores sangrentos quando se trata de prolongar a estadia por estes lados, é ver-nos vender em cada esquina por mais uma réstia de tempo, é julgarmos que levamos para a terra coisa alguma daqui. Mas, tal como em vida, vamos acabar devorados por animais, do modo mais grotesco imaginável, sem escapatória.


Assusta-me morrer vazia. O que mais quero levar, são a única coisa que nos é permitido, as lembranças.
Meia dúzia de moedas não me compram, quem me compra facilmente são as pessoas de quem gosto, às quais me ligo sedenta tentando, desesperadamente livrar-me do meu lado animal que me impesta enquanto durmo. As ligações que crio, ninguém as pode destruir, como podem a tudo o resto. Chamem-me louca ou antiquada, antes isso que carcaça oca, antes isso que morrer sem nunca ter vivido. Apesar do aperto que deixa, é bom recordar o meu (curto) passado, sabe bem, sacia-me. E dói não conseguir agarrar com mais força, permanecer mais tempo nos momentos bons, nos momentos felizes que, inevitavelmente, nos escapam por entre os dedos.
Quero viver mais.

Obrigada por termos estas conversas* (e por fazeres parte realmente).

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